terça-feira, 6 de novembro de 2018

LÁ ONDE HABITA O AMOR


Chegando lá, o amor logo se apresentou antes mesmo que minha irmã e eu entrássemos na casa.
Apresentou-se assim o amor no cheiro amoroso da comida preparada pelas mãos cuidadosas de D. Benta e, ao mesmo tempo, nos olhares ternos e nos sorrisos acolhedores das pessoas a nos abraçar, antes mesmo que seus braços nos alcançassem.
E foi assim a todo instante nas pequenas coisas o amor ia se apresentando, nos rostos risonhos e amorosos durante o almoço, como também, nas mãos zelosas de Caio ao trocar os meus talheres por outros mais novos.
Apresentou-se assim o amor no zelo revelado na mesa posta a qual não tínhamos pressa em deixar. Nas palavras de D. Benta: “Hoje abrimos a mesa, não é todo dia que isso acontece!”
E nós que não queríamos fechar a mesa, mesmo tendo terminado o saboroso almoço, deixamo-nos encantar pelos risos, causos que surgiam um após outro, pelo delicioso sorvete, pelas cocadas feitas por Romana, pelo fascinante licor português trazido pelo filho padre, pelas balas de jenipapo feitas por mainha, pelo saboroso cafezinho, e pelo  amor que ficara ali perpassando a tudo e a todos.
Descortinava-se o amor nas memórias de D. Benta a relatar com brilho nos olhos a Ordenação do filho que, no dizer dela e no meu também, fora a mais bela de todas já vistas por lá como também mais bela não haverá.
E o amor se apresentava em cada membro da família que aparecia de repente. O amor, sempre o amor, que se revelava no olhar amoroso de D. Benta dirigido a mim e que eu percebia quando despertava dos meus pequenos momentos de distração.
Desfilava assim o amor nas suas memórias da minha amizade com seu filho de longas datas, de velhos tempos e que nunca morrera, nunca adormecera porque o amor nunca deixara.
Espalhara-se o amor pelo quintal a fora por entre as plantações. E, adentrando à biblioteca do padre,  entremeara-se com os livros.
Em nosso círculo de fé e poesia, de mística e poética o amor reinou como partilha arrancando-nos sorrisos e causando-nos encantamento, gestando sonhos e amorosidade  ao som das conversas e gostosas risadas das amadas pessoas da família,
cujo som vinha de lá da cozinha que em nada nos tirava a tranquilidade.
Também o tempo corroborou com o amor, não se apressou, ficou sem passar, passando...
Ao fim da tarde, a  lua brilhara ali no quintal, linda, livre e inteira fazendo o meu olhar  e o de Romana flutuarem seduzidos pela sua beleza, mas com os ouvidos atentos aos prazeres tecidos pela sedutora narrativa de Lispector, na voz suave do amigo padre e poeta.
E ao amor que testemunhara tudo, brindamos com o fascinante licor e a tão familiar caneca de café.  Não queríamos que o encontro chegasse ao fim, não sei dizer ao certo se chegou, penso que o amor não deixaria, não deixara. Ao que parece, aquele saboroso momento delicadamente desenhado por Deus continuou acontecendo lindamente em nossas memórias como faíscas de eternidade!

Gilmara Belmon


ESCREVER E OFERTAR

Trago dentro de mim uma sede de justiça, É por isso que, paradoxalmente, Meu ser transborda de esperança. A indignação me acompanha t...