QUINTAL DA POESIA
A janela do meu quarto dá para o meu quintal
E nele cabe o universo
Aqueles muros que pensam demarcar
Os terrenos dos vizinhos e o meu
Não limitam o meu quintal
Nele habitam metáforas
E metáforas são aladas
Nada as aprisionam
Do meu quintal,
Desperta-me o canto do galo de João Cabral de Melo Neto
Que, com outros galos, tece as minhas
manhãs
À tardinha ouço o canto orquestrado
dos afinados bem-te-vis de Cecília
Meireles
Quando chega a noite, o meu quintal é
iluminado
Pela lua de Fernando Pessoa que brilha
linda, inteira e alta vive
No meu quintal há tantas flores e
árvores belas e diversas
Que mais parecem as do jardim do gigante
egoísta de Oscar Wilde
Nele há crianças brincando barulhentas e
felizes.
Dentre elas:
A menina que tinha medo da adultez,
O menino que brincava com o sopro divino,
O menino de Mia Couto que escrevia
versos,
E o pequeno menino Deus a quem o gigante
ajudou a subir na árvore.
Ah, nele também brinca a menina de Rubem
Alves
Que tinha como amigo um pássaro
encantado
Ah, o meu quintal,
De vez em quando o vento de Mário
Quintana beija o meu rosto
Deixa em mim o seu perfume e canta canções de amor
De vez em quando a chuva desfolhada por Mia Couto
Cai, beija o chão e toca nas flores, nas
árvores, nas crianças, em mim.
Tudo se renova!
Neste quintal, passeia, dança e canta a
poesia
Impossível seria o amor não entrar,
E sempre o desejo de Drummond
de ouvir “eu te amo” repetidas vezes
Toma conta do meu ser
E assim, no meu quintal da poesia,
Os meus dias se enchem de encanto e de
amor,
À luz da Palavra, eu não me perco
No meu quintal se entranham o humano e o
divino
A luz e a sombra, a memória e a
esperança
A vida que vivi e a que irei viver
Experimentando o amor eu não corro risco
de ódio
Poetizando a vida, a esperança, o
sagrado daqui do meu quintal,
Como profetiza Adélia Prado,
A poesia me salvará!
Gilmara Belmon