quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Lições dos Abismos

 Até ontem
Não conjugava o verbo recuar
Porque o identificava com o verbo desistir
E como conjugo os verbos
Lutar, voar, caminhar, esperançar
sempre no presente,
Em meu coração, nunca pensei em
Retornar, voltar, recuar
Mas se há uma coisa que a estrada ensina
É que, na possibilidade de um abismo,
Ela será interditada
E neste caso, o interdito salva
Há abismos incontornáveis
Talvez isto sirva para nos impulsionar
A buscar novos caminhos
Que porventura podem até  dar num abismo também
Contudo, se eu ficar parada
Se eu não buscar
Se eu não caminhar por medo do abismo
Eu não experimentarei o saber e o sabor
Das aventuras do caminho
Por isso,  este é o meu desejo:
Que eu caminhe, insista, persista, resista
Que eu recue apenas se for
Para dar novos e largos passos, altos e novos voos.

Gilmara Belmon

A Magia da Colcha de Retalhos




          

     Costurar sempre fora o seu ofício desde que me entendo por filha e a compreendo como mãe. A máquina de costura era mais do que o seu instrumento de trabalho, era seu instrumento de costurar a vida, os sonhos, as esperanças. Era uma profecia: “Diga-me o que desejas e eu irei costurar!”.

     E costurava para os de dentro e para os de fora, para os de longe e para os de perto. Roupa era algo que não preocupava a mim e aos meus quatro irmãos. Bastava escolher o tecido e o modelo, e como num passe de mágica, a roupa estava pronta! Felizes, víamos que tudo era muito bom.
    Mas mainha bem sabia que costurar não era coisa de magia. Entre o tecido e a roupa pronta, havia uma distância semelhante àquela entre o plantar e colher. Costurar é unir o sonho à feitura do sonho. E nós nos acostumamos ao barulho da máquina, aos rolos de linhas das mais diversas cores e aos diferentes tecidos e retalhos pela mesa da cozinha.
     Nenhum de nós, nem mainha, imaginavam que o rito da costura poderia se acabar um dia. Sua visão lhe confessara que não daria mais conta de se aventurar neste ofício. Desfazer-se da máquina, seu instrumento de costurar sonhos, foi como arrancar um pedaço dela e também de nós, deveras.
Anos e anos depois, como num passe de magia, o ofício de costurar sonhos tomou-me por inteiro! E foi então que tecer história, alinhavando retalhos numa colcha, tornou-se a minha profecia, meu rito, tal qual a costurança de mainha. Mas a colcha de retalhos minha, esta mesmo, não havia. Em verdade, tomava emprestada aqui, pegava emprestada acolá.
      E mainha, costureira de mão cheia, não se conformava em me ver contando histórias com colchas de retalhos que não eram minhas. Ela, secretamente, interpelou a própria visão, conseguiu uma máquina, e como cumprindo um ritual de um ofício que nunca fora esquecido, porque sua memória sempre amou, costurou a colcha de retalhos para dar vida ao meu ofício de costurar histórias.
      Os que ficaram sabendo da travessura de mainha atribuíram o feito a sua teimosia, outros a sua ousadia, outros a sua abnegação, eu, porém, prefiro afirmar que a razão dessa travessura é o amor.

Gilmara Belmon

ESCREVER E OFERTAR

Trago dentro de mim uma sede de justiça, É por isso que, paradoxalmente, Meu ser transborda de esperança. A indignação me acompanha t...