Costurar
sempre fora o seu ofício desde que me entendo por filha e a compreendo como
mãe. A máquina de costura era mais do que o seu instrumento de trabalho, era
seu instrumento de costurar a vida, os sonhos, as esperanças. Era uma profecia:
“Diga-me o que desejas e eu irei costurar!”.
E
costurava para os de dentro e para os de fora, para os de longe e para os de
perto. Roupa era algo que não preocupava a mim e aos meus quatro irmãos. Bastava
escolher o tecido e o modelo, e como num passe de mágica, a roupa estava pronta!
Felizes, víamos que tudo era muito bom.
Mas
mainha bem sabia que costurar não era coisa de magia. Entre o tecido e a roupa
pronta, havia uma distância semelhante àquela entre o plantar e colher.
Costurar é unir o sonho à feitura do sonho. E nós nos acostumamos ao barulho da
máquina, aos rolos de linhas das mais diversas cores e aos diferentes tecidos e
retalhos pela mesa da cozinha.
Nenhum
de nós, nem mainha, imaginavam que o rito da costura poderia se acabar um dia.
Sua visão lhe confessara que não daria mais conta de se aventurar neste ofício.
Desfazer-se da máquina, seu instrumento de costurar sonhos, foi como arrancar
um pedaço dela e também de nós, deveras.
Anos
e anos depois, como num passe de magia, o ofício de costurar sonhos tomou-me
por inteiro! E foi então que tecer história, alinhavando retalhos numa colcha,
tornou-se a minha profecia, meu rito, tal qual a costurança de mainha. Mas a
colcha de retalhos minha, esta mesmo, não havia. Em verdade, tomava emprestada
aqui, pegava emprestada acolá.
E
mainha, costureira de mão cheia, não se conformava em me ver contando histórias
com colchas de retalhos que não eram minhas. Ela, secretamente, interpelou a própria
visão, conseguiu uma máquina, e como cumprindo um ritual de um ofício que nunca
fora esquecido, porque sua memória sempre amou, costurou a colcha de retalhos
para dar vida ao meu ofício de costurar histórias.
Os
que ficaram sabendo da travessura de mainha atribuíram o feito a sua teimosia, outros
a sua ousadia, outros a sua abnegação, eu, porém, prefiro afirmar que a razão dessa
travessura é o amor.
Gilmara
Belmon